domingo, julho 23, 2006

campos a preto e branco


Relva Velha, Novembro 2004

Manif de gotas de água na folha de baixo


Relva Velha, Novembro 2004

Vermelho, amarelo e laranja


ilha de Capri, Agosto 2005

Pulgas-do-mar (conto)

As manhãs de Agosto nas praias do Norte são muitas vezes assim. Pouco calor. O Sol só brilha quando quer, e quer pouco. Nuvens carregadas no céu, isso sim, e um vento forte, baixinho, daqueles que transformam a areia em agulhas que se injectam nas pernas nuas dos incautos. Praias vazias e negócios de Verão estragados. Sardinhadas adiadas no pinhal. Estendais de toalhas, chinelos, cadeiras de praia e fatos de banho, tudo goteja desde o aguaceiro do princípio do dia.

Pois é em dias assim que gosto de ir à praia. E fui. Atravessei o passadiço sobrelevado sobre as dunas e, chegado ao ponto mais alto, fui fustigado pelo vento. À minha frente a imensa praia quase vazia, não fora uma mãe com três crianças, um cão preto que perseguia uma garrafa de plástico vazia soprada pelo vento, e dois pescadores ao longe. Vento forte mas quente, de Sul, e um mar fabulosamente revolto. Nuvens negras por perto.

Descalcei-me e fui até à beira-mar. Uma espuma suja saía dos dentes cerrados das vagas que abocanhavam a praia. Soprada pelo vento, essa espuma rebolava em blocos disformes de vários tamanhos que chocavam contra as minhas pernas e se desfaziam em cuspo. Olhei em redor. Por toda a praia pedaços de espuma rebolavam em direcção ao Norte, como algodão doce sujo. Concentrei-me num grande bloco que voava na minha direcção e se partiu em dezenas de fragmentos quando chocou contra mim. Enquanto olhava para a baba suja que se agarrava aos pêlos das pernas e aos pés reparei que, para além da espuma, pequenas partículas, muitas, empreendiam a mesma viagem praia acima. Pus-me de joelhos e observei com mais atenção. Essas partículas eram na realidade pequenos animais, pulgas-do-mar, crustáceos característicos das areias varridas pelas marés.

Pulgas do mar. Nome impróprio, o destas criaturas. Não são pulgas nem são do mar. O nome deriva do hábito nervoso de utilizarem o salto para se deslocar e fugir. Poderia pensar-se que têm umas patas compridas, como as pulgas, mas não! Saltam de uma forma muito mais imaginativa, curvando o abdómen e utilizando-o como se fosse uma mola. Não picam, não nos chupam o sangue, não vivem na cabeça dos meninos.Também não são bem do mar... São mais da areia. Porque se houver mar mas não houver areia não há pulgas... Se houver areia e não houver mar também não as há... Assim, o haver areia é tão importante como haver mar. Elas alimentam-se NA areia, constroem os buracos NA areia, evoluíram COM a areia, e não passam sem os seus milhentos grãozinhos multicolores. Mas reconheço que pulga-do-mar é mais poético do que “anfípode da areia”. O maior inimigo das pulgas-do-mar é a criança coleccionadora de pulgas-do-mar. Predadores vorazes, pacientemente capturam dezenas (por vezes centenas) de indivíduos, que guardam na mão, no bolso dos calções ou em qualquer baldinho de praia. Depois utilizam-nas conforme manda a imaginação. Nas costas da avó ou da mãe, na orelha do cão, na sandes de queijo do mano, nos seios da irmã mais velha que se faz de boazona, ao volante do Porshe Carrera de brincar (naqueles em que se abrem as portas), dentro do túnel de areia que se faz ruir depois, na montanha russa que é a rodinha onde se põe areia com a pá, no ouvido peludo do avô, na boquinha do bébé que berra e por causa do qual levaram uma estalada que não esqueceram. Depois de largadas no seu destino, qualquer que seja, as pobrezinhas fogem alarmadas dando saltos em todas as direcções, as que sobreviveram, claro! As outras não saltarão mais.

Olhei, pois, as pulgas-do-mar. Eram dezenas, centenas, que passavam por mim. Olhei mais de cima e re-equacionei: provavelmente milhares, nunca tinha visto uma coisa assim! Rebolavam indefesas pela superfície varrida pelo vento. Muitas batiam-me nas pernas e desviavam momentaneamente a sua rota, para logo seguirem o seu rectilíneo caminho de rebolar, não encosta abaixo, mas praia acima. O que lhes estaria a acontecer? Viriam ao cimo do seu buraco ver o que se estava a passar, atraídas pelo matraquear das partículas de areia à porta de casa? Imagino a cena. As antenas levantadas para fora da toca e o sentir de pressão do vento. A curiosidade é muita, a pulga tem de vir mais para cima, até aos seus olhos de cristal facetado (olhos compostos, chamam-lhes os biólogos) saírem do orifício. Aí é tarde demais, a curiosidade matou a pulga e hei-las que se sentem subitamente arrastadas praia fora. Ou seria um daqueles dias em que a ventania cria um túnel de vento que suga inexoravelmente as pulgas para fora dos seus buracos, como rolhas a saltar dos gargalos das garrafas de champanhe depois de bem abanadas pelo aniversariante? Enquanto desenvolvia estes pensamentos, continuavam a passar por mim pulgas rebolantes em cambalhotas infinitas. Reparei numa grande que resistia ao vento. Pus-me de cócoras para a ver melhor, o meu rabo a ser seringado pelos grãos de areia. Parecia estar agarrada com unhas e dentes à superfície, as suas antenas compridas para trás, como orelhas de cão. Avançava muito devagar, quase podia imaginar os seus maxilares cerrados e o ranger de dentes, resistindo às rajadas e ao choque das congéneres. Era uma grande exemplar, acho que nunca tinha visto nenhum deste tamanho. As suas antenas eram longas, brancas e amareladas na ponta. Devia ser um macho (têm as antenas mais compridas que as das fêmeas). Passou lentamente por mim ignorando-me. Um pouco à frente começou a escavar um buraco na areia. Estava já semi-enterrada quando se combinaram uma rajada mais forte e um movimento ascendente do abdómen para ajeitar o corpo e escavar mais uns milímetros. Zit!, desapareceu quase por magia. O que fariam aqueles milhares de deslocados de vento? Tentariam voltar ao buraco, ou pelo menos à zona da praia onde ocorriam? Ou iniciariam a construção de um novo buraco quando a ventania acalmasse, não importava onde estivessem? Estava nestes pensamentos quando vi, cem metros à minha frente, na direcção do vento, cinco ou seis aves irrequietas, com bico comprido, e que se banqueteavam com as pulgas. Eram pilritos, aves aquáticas predadoras de pulgas, que se deveriam sentir como se lhes tivesse saído a lotaria. Que repasto rebolante! Eu próprio pensei que com uma rede mosquiteira poderia apanhar uns quilos de pulgas... Mas que fazer com elas? Um arroz de pulga? Ou tipo tremoço a acompanhar uma imperial? Rissóis de pulga?..

Estava neste solilóquio quando caíram umas pingas grossas de chuva. Olhei para o vulto negro que pairava em cima da praia. Última vista de olhos para a migração forçada que continua a passar-me por baixo das pernas e corro para o carro, deixando a praia com a sua tempestade. Nessa noite, sonhei que era arrastado pelo vento ao longo de uma infindável praia, em intermináveis cambalhotas, enquanto milhares de pulgas me espreitavam dos seus buracos, sorrindo.

Na manhã seguinte voltei ao local. Mar azul tranquilo, aragem suave. Praia lavada. Aproximo-me da areia molhada e olho para o chão. Quando as ondas regridem, vejo centenas de orifícios borbulhantes. Ajoelho-me e penso: “tudo bem aí em baixo?”


Abril 2006

quinta-feira, julho 13, 2006

Rocha com chaminé, candeeiro e casa destruída


Linhares, Serra da Estrela, Agosto 2004

Eles lá sabem...



Castro Verde, Maio 2006

terça-feira, julho 11, 2006

Manif de pedras à beira-mar


Costa Sudoeste, Outubro 2004

Meteora


Grécia, Setembro 2004

Sanção (texto)

O Secretário-geral pigarreou antes de começar a discursar. A solenidade do momento exigia clareza de voz e firmeza: “Caros Membros do Conselho de Segurança, a situação é grave. Aplicámos já 3 sanções, até agora sem efeito. Os riscos são grandes, e a situação exige uma acção efectiva”. A sala agitou-se, ansiosa pelo epílogo. “Acho que, de acordo com o regulamento, não nos resta outra alternativa senão aplicar uma dalila.”

4 Maio 2006

Sexo (texto)

Raji estava nervoso. Era a primeira vez que se inscrevia num congresso internacional, e o formulário em inglês intimidava-o. Tinha acabado de o retirar de um envelope aguardado durante várias semanas. Tirou a tarde para o preencher, num momento de regozijo e quase religiosidade. Iniciou o preenchimento, letra dedilhada com gosto. Título da comunicação, departamento, morada, cidade, país. Respirou fundo. Até ali tudo bem. DADOS PESSOAIS, solicitava a tabela seguinte. Na linha debaixo do nome parou e fez um ar sério. Releu. Pensou seriamente no assunto. Pensou que era a primeira vez que ia a um congresso internacional. Pensou que merecia. Sorriu, e à frente da palavra SEXO escreveu: “yes”.

21 Março 2006

sábado, julho 08, 2006

Santana Lopes e os pobrezinhos



Dezembro de 2002. Porque é que quereremos ver como viviam os Lisboetas na Vila Teixeira? Quem teve esta ideia?.. Juro, não é uma montagem. O mau gosto terá limites ?

Este é o meu mundo


Este é o meu mundo. As minhas imagens e os meus textos.