O Pai Natal no Intendente (Conto de Natal)
É um segredo que vos vou contar. Há cerca de 10 anos um estranho acontecimento ocorreu durante a noite de Natal lisboeta. Mas mais estranho do que o evento foi a sequela, um dramático engano que a partir dessa data tornou cada noite de Natal mais difícil para o seu protagonista, o Pai Natal. Eis o que se passou.
Na noite de 24 para 25, o Pai Natal percorria as ruas de Lisboa na sua labuta anual de distribuição de prendas. Tudo corria bem, como seria de esperar de um evento minuciosamente planeado ao longo de todo um ano. É claro que havia sempre alguns contratempos, mas estes não comprometiam o sucesso da operação. Desta vez a noite estava muito fria e, como todos os anos, o trenó puxado pelas renas não se dava muito bem na calçada lisboeta, saltando e deslizando lateralmente, sofrendo por isso algumas amolgadelas nas esquinas das ruas estreitas. Antigamente era pior; todos os presentes tinham de ser trazidos da Lapónia, o que implicava um interminável comboio de trenós, puxado para mais de três dezenas de renas, que fazia o Pai Natal praguejar toda a noite enquanto serpenteava as ruas estreitas da parte mais antiga da cidade. Mas hoje em dia tudo era mais fácil, os avanços tecnológicos permitiam que o comboio natalício tivesse apenas um par de renas e um único trenó de pequena dimensão, guiado pelo personagem de vestes vermelhas e barba branca. Este transportava uma longa lista de ruas, números de porta, andar, e prendas respectivas. Sempre que o documento era lido, as prendas materializavam-se in loco.
Por volta da meia-noite, o Pai Natal estava a acabar a distribuição de prendas do que designava “o eixo da Almirante Reis”. Vindo do lado do Campo Santana, desceu pela Rua do Conde Pombeiro até à Rua dos Anjos. No meio das entregas nos prédios de um lado e outro da rua, um arrumador de carros tentou convencê-lo a estacionar o trenó num lugar disponível. “Olha o Pai Natal!... Não me queres dar uma prenda ?”. “Meu caro amigo”, sorriu o Pai Natal com ternura depois de verificar a sua lista, “tenho aqui um pedido teu de prenda de Natal, mas como podes imaginar, o meu superior não me autoriza a oferecer-te uma caixa de seringas com recheio”. Debaixo de protestos e um chorrilho de palavrões, o Pai Natal atravessou a Almirante Reis e seguiu na direcção do Intendente. Aquele largo era sempre um local triste para ele. Ali muita gente pedia prendas que ele não podia dar, ou, pior do que isso, nem sequer pedia prendas. À entrada do largo dormia um bêbado caído no chão. O Pai Natal verificou a sua lista. Não constava…”Em frente! “ tentou animar-se esfregando as mãos frias e fazendo uma festa nas renas, “Estamos atrasados”. Parou o trenó em frente do número 13 do largo e verificou novamente a lista. “Nada para o 1º andar, uma escada de corda e uma bola saltitona para o 3º… e para o 2º andar… o que é isto?! “. Na coluna das prendas desejadas podia ler-se “Pai Natal”. Teria sido um erro dos serviços centrais? Era raro, mas por vezes aconteciam. ”Bom, já se vê”. A porta do prédio estava entreaberta. Já com a escada de corda e a bola debaixo do braço, numa tentativa de acelerar o ritmo das entregas, entrou. Era um edifício muito velho e sem luz nas escadas, o que o fez ter de agarrar-se ao corrimão e subir com cautela. Passou o 1º andar na escuridão total, mas pelas frinchas da porta do 2º andar saía luz que emprestava uma claridade pálida à envolvência. Bateu duas vezes. Uma mulher abriu. Aparentava 40 anos mas podia ser mais velha, já que as rugas estavam semi-ocultas debaixo de creme e pó de arroz, e os olhos muito pintados. Vestia mini-saia, saltos altos e um top justo que lhe salientava os seios. O Pai Natal não tinha nascido ontem e logo percebeu de quem se tratava. “Entre” disse ela sorrindo e mostrando os dentes estragados. Entrou atrás dela. Era um quarto. Ao centro uma cama grande de ferro, antiga. Do lado direito um improviso de cozinha, com um armário com tachos, pratos e talheres, e um pequeno fogão eléctrico sobre o soalho. Do outro lado um aquecedor ao pé de uma janela mantinha o compartimento com uma temperatura agradável, mas cheirava a mofo. Ao fundo uma porta, possivelmente uma casa de banho. O chão, feito de tábuas de madeira velha, gemia quando nele se caminhava. O Pai Natal disse: “Peço-lhe desculpa, mas deve ter havido um problema nos meus ficheiros, por isso receio não lhe ter trazido a prenda que desejava…” Explicou que se tinha dado conta do erro mesmo antes de subir as escadas, e que de vez em quando aconteciam estes problemas. A mulher retorquiu exaltada, como se fizesse um discurso: “Pois o que está escrito no seu papel é mesmo o que eu quero! Como sabe, ando nesta vida de puta desde os meus 15 anos, já fui com muito homem para a cama, não há nada que eu não tenha já visto ou feito.” Obviamente assumia que o Pai Natal sabia tudo sobre a vida dela, o que não era verdade, o Pai Natal é um mero executante para uma noite especial, os seus superiores é que sabem destas coisas da vida das pessoas e lhes traçam o destino. “Desde pequena que me dizem que o Pai Natal é muito bonzinho e que faz a vontade a todas as pessoas de bem. Bom, saberá nunca enganei nem roubei ninguém, a mim é que me roubaram muitas vezes, quantos clientes se foram embora sem pagar, ou me deram uma carga de porrada como paga!..”. Ofegante, continuou: “Depois destes anos todos, acho que mereço eu uma prenda! Dei prazer a muitos homens, agora quero eu ter prazer com alguém especial. Desejo isto há muito tempo mas nunca o tinha pedido: quero fornicar com o Pai Natal!”. Desta forma franca terminou a mulher o seu monólogo, e compreendeu o Pai Natal a referência ao seu próprio nome na lista. Seguiu-se um momento de silêncio tenso, cada um a remoinhar a sua estratégia, após o qual o Pai Natal pigarreou, embaraçado, e disse: “Minha filha, isso não é possível…”. “Porquê? É algum pecado? Estou a pedir alguma coisa que prejudique alguém?”. “Mas repara…, o Pai Natal não pode meter-se nesses assuntos tão… mundanos…”. “Porquê, não me diga que não é como os outros homens? Não entesa quando vê uma gaja boa?”. O Pai Natal emudeceu. De facto tinha acontecido uma vez, mas com resultados terríveis. Foi numa manhã do mês de Maio de há muitos anos atrás. Ele era mais novo, tinha acabado de ser promovido ao cargo de Pai Natal. Tinha vindo à Península Ibérica fazer uns reconhecimentos de terreno para preparar a distribuição de prendas no Natal seguinte. Na região de Fátima encontrou uma sueca que passeava pelos campos, calção curto e pernas de quem não passava fome. Sem ele ter tempo de dizer olá, ela saltou para cima dele, todos sabem como são as suecas. O Pai Natal era santo mas não era de ferro. Fizeram amor ali mesmo, debaixo das azinheiras. No fim, a sueca, meio louca, estava radiante com este português que tinha encontrado. Subiu ao cimo de uma azinheira e, nua e com ar radioso, exclamou num português macarrónico “É preciso rezar muito para nos sair um gajo assim!”. O problema é que passavam por ali 3 pastorinhos que a viram, muito branca e esplendorosa, e a partir daí foi o que se sabe, uma bola de neve que dura até aos dias de hoje. Desde então tinha sido proibido pelos seus superiores de pensar sequer no tema carnal, era um dos seus pontos fracos. “Não, fora de questão! Lamento mas esse presente não lhe posso dar. Tenho de prosseguir na distribuição de prendas, ainda tenho mais de meia cidade por fazer. Boa noite!”. E dito isto, dirigiu-se para a porta. “Era o que eu temia” retorquiu a mulher com ar ameaçador. “Meninas! Preciso de ajuda!” gritou. Num repente, da porta ao canto do quarto saíram quatro mulheres com semblante carregado e ar decidido. “Filho da puta hás-de fazer a vontade à nossa Luciana nem que seja a última coisa que fazes!” vociferou uma delas enquanto se lançavam em simultâneo para cima do pobre homem. A bola saltitona e a escada de corda saltaram das mãos do Pai Natal enquanto este era empurrado violentamente e atirado para a cama. Num ápice viu-se deitado a olhar para o tecto enegrecido e sentiu cordas a apertarem-se-lhe à volta das mãos e pés. Duas mulheres agarravam-no pelas mãos, a terceira, sentada em cima da sua barriga, segurava-lhe os pés e a quarta estava de joelhos no chão a ajudá-la. As molas do colchão protestavam com o peso desta mole humana, enquanto a bola saltitona pulava de excitação ricocheteando entre o chão e as paredes. Assim foi o Pai Natal agarrado aos ferros da cama, braços e pernas esticados sobre o colchão. ”Já está!”, bateu palmas uma das mulheres após darem por concluído o trabalho. “E que tal Luciana, queres brincar com o Pai Natal?!”. “Obrigado meninas, podem voltar ao primeiro andar que eu agora trato dele sozinha!” exclamou Luciana com ar sério.
Assim que as outras mulheres saíram, Luciana despiu-se. Em seguida fez o mesmo ao Pai Natal, que ainda se debatia tentando libertar-se do seu cárcere. Lançou-se para cima dele e começou a beijá-lo, acariciá-lo, roçar-se nele, fazer-se apalpar. No meio dos protestos, dos gritos desesperados tentando chamar a mulher à realidade, à importância tremenda daquela noite, à quantidade de lares que aguardavam as prendas que lhes deveria entregar, o Pai Natal começou sentir os efeitos das carícias e beijos. Os detalhes não podem ser descritos, isto sempre é um conto de Natal, mas a verdade é que o corpo e a mente do Pai Natal travaram uma luta desigual que foi ganha pelo primeiro. Tal como em Fátima… A meio da noite Luciana, satisfeita com o seu presente, adormeceu parcialmente enroscada sobre o Pai Natal e com a cabeça apoiada sobre o seu braço esquerdo. O Pai Natal sentia-se humilhado, tinha baqueado outra vez, e incomodava-o aquela sensação de corpo saciado. No meio do silêncio ouvia-se o tiquetaque do relógio na mesa-de-cabeceira do lado de Luciana. Lá fora as renas chamavam pelo seu dono, sem saber o que tinha acontecido mas com a noção de que estavam atrasados, muito atrasados. O Pai Natal levantou a cabeça e espreitou. Eram 2h da manhã.
O Pai Natal reparou que conseguia mexer uma das mãos, os nós tinham ficado mais lassos em consequência da agitação da noite. Conseguiu soltar uma mão, depois outra. Muito lentamente tirou o braço debaixo da cabeça de Luciana e levantou o tronco para libertar os pés. A cama alertou a dona com um gemido de molas mas esta não acordou, gemidos eram uma parte integrante da sua vida. Livre do seu calabouço, o Pai Natal caminhou lentamente para a porta. “Raios, está trancada”. Olhou em volta em procura da chave, não a viu. Passou-lhe pela ideia atacar Luciana e obrigá-la a dar-lhe a chave mas pensou nas companheiras do andar de baixo que rapidamente se aperceberiam da tentativa. Era demasiado arriscado. Ao reparar na escada de corda num canto do quarto, olhou para a janela. “É só um segundo andar, talvez consiga”. Abriu a janela, sorrateiro, espreitou, e prendeu a escada ao parapeito. Ao vê-lo à janela, as renas agitaram-se lá em baixo mas ele, com um sinal imperativo, fê-las calar. Passou por cima das grades e começou a descer os degraus de forma insegura e desastrada, muito tempo tinha passado desde que fizera pela última vez estas avarias, quando ainda descia chaminés. A determinada altura, prendeu-se o seu cinto nos ferros do gradeamento da janela do primeiro andar “Raios! É mesmo onde devem estar as outras mulheres”, que mais lhe iria acontecer esta aventura nunca mais acaba. Nesse momento, cá em baixo, passava Adónis. Trabalhador brasileiro, dirigia-se para casa depois de umas caipirinhas natalícias em casa de uns amigos. Ao ver o Pai Natal em luta com as escadas sorriu com ternura. “Olha!.. Um cara vestido de Papai Noel a subir umas escadas. Há cada maluco!... Mas olha que é bacana…E se meu patrão mandasse fazer, lá na China, uns bonecos Pai Natal a subir escadas, para pendurar nas janelas? Era capaz de vender bem…”
Nessa noite de Natal, a parte norte da cidade de Lisboa não recebeu presentes. O assunto ficou abafado, ninguém confessou que não tinha tido presentes de Natal! Na madrugada do dia 25, houve quem visse o Pai Natal, extenuado, no seu trenó puxado pelas renas, a sulcar os céus de regresso à Lapónia, enquanto pensava nas explicações que teria de dar aos seus superiores para o facto de não ter cumprido a sua missão na íntegra.
Todos adivinham o fim desta história. O Pai Natal continua a vir a Lisboa. Porque sem ele, não haveria noite de Natal. Mas durante toda a sua noite de trabalho, vê permanentemente as recordações deste episódio dramático e humilhante, em janelas e mais janelas de muitas ruas, todas com os seus bonecos Pais Natais a subir escadas, símbolos de um voto de boas vindas a cada um desses lares. Equívocos que irritam o Pai Natal. “Já não bastava o episódio de Fátima, irra!..”.
Lisboa, 23 Dezembro 2006
Francisco Além-Tejo
Na noite de 24 para 25, o Pai Natal percorria as ruas de Lisboa na sua labuta anual de distribuição de prendas. Tudo corria bem, como seria de esperar de um evento minuciosamente planeado ao longo de todo um ano. É claro que havia sempre alguns contratempos, mas estes não comprometiam o sucesso da operação. Desta vez a noite estava muito fria e, como todos os anos, o trenó puxado pelas renas não se dava muito bem na calçada lisboeta, saltando e deslizando lateralmente, sofrendo por isso algumas amolgadelas nas esquinas das ruas estreitas. Antigamente era pior; todos os presentes tinham de ser trazidos da Lapónia, o que implicava um interminável comboio de trenós, puxado para mais de três dezenas de renas, que fazia o Pai Natal praguejar toda a noite enquanto serpenteava as ruas estreitas da parte mais antiga da cidade. Mas hoje em dia tudo era mais fácil, os avanços tecnológicos permitiam que o comboio natalício tivesse apenas um par de renas e um único trenó de pequena dimensão, guiado pelo personagem de vestes vermelhas e barba branca. Este transportava uma longa lista de ruas, números de porta, andar, e prendas respectivas. Sempre que o documento era lido, as prendas materializavam-se in loco.
Por volta da meia-noite, o Pai Natal estava a acabar a distribuição de prendas do que designava “o eixo da Almirante Reis”. Vindo do lado do Campo Santana, desceu pela Rua do Conde Pombeiro até à Rua dos Anjos. No meio das entregas nos prédios de um lado e outro da rua, um arrumador de carros tentou convencê-lo a estacionar o trenó num lugar disponível. “Olha o Pai Natal!... Não me queres dar uma prenda ?”. “Meu caro amigo”, sorriu o Pai Natal com ternura depois de verificar a sua lista, “tenho aqui um pedido teu de prenda de Natal, mas como podes imaginar, o meu superior não me autoriza a oferecer-te uma caixa de seringas com recheio”. Debaixo de protestos e um chorrilho de palavrões, o Pai Natal atravessou a Almirante Reis e seguiu na direcção do Intendente. Aquele largo era sempre um local triste para ele. Ali muita gente pedia prendas que ele não podia dar, ou, pior do que isso, nem sequer pedia prendas. À entrada do largo dormia um bêbado caído no chão. O Pai Natal verificou a sua lista. Não constava…”Em frente! “ tentou animar-se esfregando as mãos frias e fazendo uma festa nas renas, “Estamos atrasados”. Parou o trenó em frente do número 13 do largo e verificou novamente a lista. “Nada para o 1º andar, uma escada de corda e uma bola saltitona para o 3º… e para o 2º andar… o que é isto?! “. Na coluna das prendas desejadas podia ler-se “Pai Natal”. Teria sido um erro dos serviços centrais? Era raro, mas por vezes aconteciam. ”Bom, já se vê”. A porta do prédio estava entreaberta. Já com a escada de corda e a bola debaixo do braço, numa tentativa de acelerar o ritmo das entregas, entrou. Era um edifício muito velho e sem luz nas escadas, o que o fez ter de agarrar-se ao corrimão e subir com cautela. Passou o 1º andar na escuridão total, mas pelas frinchas da porta do 2º andar saía luz que emprestava uma claridade pálida à envolvência. Bateu duas vezes. Uma mulher abriu. Aparentava 40 anos mas podia ser mais velha, já que as rugas estavam semi-ocultas debaixo de creme e pó de arroz, e os olhos muito pintados. Vestia mini-saia, saltos altos e um top justo que lhe salientava os seios. O Pai Natal não tinha nascido ontem e logo percebeu de quem se tratava. “Entre” disse ela sorrindo e mostrando os dentes estragados. Entrou atrás dela. Era um quarto. Ao centro uma cama grande de ferro, antiga. Do lado direito um improviso de cozinha, com um armário com tachos, pratos e talheres, e um pequeno fogão eléctrico sobre o soalho. Do outro lado um aquecedor ao pé de uma janela mantinha o compartimento com uma temperatura agradável, mas cheirava a mofo. Ao fundo uma porta, possivelmente uma casa de banho. O chão, feito de tábuas de madeira velha, gemia quando nele se caminhava. O Pai Natal disse: “Peço-lhe desculpa, mas deve ter havido um problema nos meus ficheiros, por isso receio não lhe ter trazido a prenda que desejava…” Explicou que se tinha dado conta do erro mesmo antes de subir as escadas, e que de vez em quando aconteciam estes problemas. A mulher retorquiu exaltada, como se fizesse um discurso: “Pois o que está escrito no seu papel é mesmo o que eu quero! Como sabe, ando nesta vida de puta desde os meus 15 anos, já fui com muito homem para a cama, não há nada que eu não tenha já visto ou feito.” Obviamente assumia que o Pai Natal sabia tudo sobre a vida dela, o que não era verdade, o Pai Natal é um mero executante para uma noite especial, os seus superiores é que sabem destas coisas da vida das pessoas e lhes traçam o destino. “Desde pequena que me dizem que o Pai Natal é muito bonzinho e que faz a vontade a todas as pessoas de bem. Bom, saberá nunca enganei nem roubei ninguém, a mim é que me roubaram muitas vezes, quantos clientes se foram embora sem pagar, ou me deram uma carga de porrada como paga!..”. Ofegante, continuou: “Depois destes anos todos, acho que mereço eu uma prenda! Dei prazer a muitos homens, agora quero eu ter prazer com alguém especial. Desejo isto há muito tempo mas nunca o tinha pedido: quero fornicar com o Pai Natal!”. Desta forma franca terminou a mulher o seu monólogo, e compreendeu o Pai Natal a referência ao seu próprio nome na lista. Seguiu-se um momento de silêncio tenso, cada um a remoinhar a sua estratégia, após o qual o Pai Natal pigarreou, embaraçado, e disse: “Minha filha, isso não é possível…”. “Porquê? É algum pecado? Estou a pedir alguma coisa que prejudique alguém?”. “Mas repara…, o Pai Natal não pode meter-se nesses assuntos tão… mundanos…”. “Porquê, não me diga que não é como os outros homens? Não entesa quando vê uma gaja boa?”. O Pai Natal emudeceu. De facto tinha acontecido uma vez, mas com resultados terríveis. Foi numa manhã do mês de Maio de há muitos anos atrás. Ele era mais novo, tinha acabado de ser promovido ao cargo de Pai Natal. Tinha vindo à Península Ibérica fazer uns reconhecimentos de terreno para preparar a distribuição de prendas no Natal seguinte. Na região de Fátima encontrou uma sueca que passeava pelos campos, calção curto e pernas de quem não passava fome. Sem ele ter tempo de dizer olá, ela saltou para cima dele, todos sabem como são as suecas. O Pai Natal era santo mas não era de ferro. Fizeram amor ali mesmo, debaixo das azinheiras. No fim, a sueca, meio louca, estava radiante com este português que tinha encontrado. Subiu ao cimo de uma azinheira e, nua e com ar radioso, exclamou num português macarrónico “É preciso rezar muito para nos sair um gajo assim!”. O problema é que passavam por ali 3 pastorinhos que a viram, muito branca e esplendorosa, e a partir daí foi o que se sabe, uma bola de neve que dura até aos dias de hoje. Desde então tinha sido proibido pelos seus superiores de pensar sequer no tema carnal, era um dos seus pontos fracos. “Não, fora de questão! Lamento mas esse presente não lhe posso dar. Tenho de prosseguir na distribuição de prendas, ainda tenho mais de meia cidade por fazer. Boa noite!”. E dito isto, dirigiu-se para a porta. “Era o que eu temia” retorquiu a mulher com ar ameaçador. “Meninas! Preciso de ajuda!” gritou. Num repente, da porta ao canto do quarto saíram quatro mulheres com semblante carregado e ar decidido. “Filho da puta hás-de fazer a vontade à nossa Luciana nem que seja a última coisa que fazes!” vociferou uma delas enquanto se lançavam em simultâneo para cima do pobre homem. A bola saltitona e a escada de corda saltaram das mãos do Pai Natal enquanto este era empurrado violentamente e atirado para a cama. Num ápice viu-se deitado a olhar para o tecto enegrecido e sentiu cordas a apertarem-se-lhe à volta das mãos e pés. Duas mulheres agarravam-no pelas mãos, a terceira, sentada em cima da sua barriga, segurava-lhe os pés e a quarta estava de joelhos no chão a ajudá-la. As molas do colchão protestavam com o peso desta mole humana, enquanto a bola saltitona pulava de excitação ricocheteando entre o chão e as paredes. Assim foi o Pai Natal agarrado aos ferros da cama, braços e pernas esticados sobre o colchão. ”Já está!”, bateu palmas uma das mulheres após darem por concluído o trabalho. “E que tal Luciana, queres brincar com o Pai Natal?!”. “Obrigado meninas, podem voltar ao primeiro andar que eu agora trato dele sozinha!” exclamou Luciana com ar sério.
Assim que as outras mulheres saíram, Luciana despiu-se. Em seguida fez o mesmo ao Pai Natal, que ainda se debatia tentando libertar-se do seu cárcere. Lançou-se para cima dele e começou a beijá-lo, acariciá-lo, roçar-se nele, fazer-se apalpar. No meio dos protestos, dos gritos desesperados tentando chamar a mulher à realidade, à importância tremenda daquela noite, à quantidade de lares que aguardavam as prendas que lhes deveria entregar, o Pai Natal começou sentir os efeitos das carícias e beijos. Os detalhes não podem ser descritos, isto sempre é um conto de Natal, mas a verdade é que o corpo e a mente do Pai Natal travaram uma luta desigual que foi ganha pelo primeiro. Tal como em Fátima… A meio da noite Luciana, satisfeita com o seu presente, adormeceu parcialmente enroscada sobre o Pai Natal e com a cabeça apoiada sobre o seu braço esquerdo. O Pai Natal sentia-se humilhado, tinha baqueado outra vez, e incomodava-o aquela sensação de corpo saciado. No meio do silêncio ouvia-se o tiquetaque do relógio na mesa-de-cabeceira do lado de Luciana. Lá fora as renas chamavam pelo seu dono, sem saber o que tinha acontecido mas com a noção de que estavam atrasados, muito atrasados. O Pai Natal levantou a cabeça e espreitou. Eram 2h da manhã.
O Pai Natal reparou que conseguia mexer uma das mãos, os nós tinham ficado mais lassos em consequência da agitação da noite. Conseguiu soltar uma mão, depois outra. Muito lentamente tirou o braço debaixo da cabeça de Luciana e levantou o tronco para libertar os pés. A cama alertou a dona com um gemido de molas mas esta não acordou, gemidos eram uma parte integrante da sua vida. Livre do seu calabouço, o Pai Natal caminhou lentamente para a porta. “Raios, está trancada”. Olhou em volta em procura da chave, não a viu. Passou-lhe pela ideia atacar Luciana e obrigá-la a dar-lhe a chave mas pensou nas companheiras do andar de baixo que rapidamente se aperceberiam da tentativa. Era demasiado arriscado. Ao reparar na escada de corda num canto do quarto, olhou para a janela. “É só um segundo andar, talvez consiga”. Abriu a janela, sorrateiro, espreitou, e prendeu a escada ao parapeito. Ao vê-lo à janela, as renas agitaram-se lá em baixo mas ele, com um sinal imperativo, fê-las calar. Passou por cima das grades e começou a descer os degraus de forma insegura e desastrada, muito tempo tinha passado desde que fizera pela última vez estas avarias, quando ainda descia chaminés. A determinada altura, prendeu-se o seu cinto nos ferros do gradeamento da janela do primeiro andar “Raios! É mesmo onde devem estar as outras mulheres”, que mais lhe iria acontecer esta aventura nunca mais acaba. Nesse momento, cá em baixo, passava Adónis. Trabalhador brasileiro, dirigia-se para casa depois de umas caipirinhas natalícias em casa de uns amigos. Ao ver o Pai Natal em luta com as escadas sorriu com ternura. “Olha!.. Um cara vestido de Papai Noel a subir umas escadas. Há cada maluco!... Mas olha que é bacana…E se meu patrão mandasse fazer, lá na China, uns bonecos Pai Natal a subir escadas, para pendurar nas janelas? Era capaz de vender bem…”
Nessa noite de Natal, a parte norte da cidade de Lisboa não recebeu presentes. O assunto ficou abafado, ninguém confessou que não tinha tido presentes de Natal! Na madrugada do dia 25, houve quem visse o Pai Natal, extenuado, no seu trenó puxado pelas renas, a sulcar os céus de regresso à Lapónia, enquanto pensava nas explicações que teria de dar aos seus superiores para o facto de não ter cumprido a sua missão na íntegra.
Todos adivinham o fim desta história. O Pai Natal continua a vir a Lisboa. Porque sem ele, não haveria noite de Natal. Mas durante toda a sua noite de trabalho, vê permanentemente as recordações deste episódio dramático e humilhante, em janelas e mais janelas de muitas ruas, todas com os seus bonecos Pais Natais a subir escadas, símbolos de um voto de boas vindas a cada um desses lares. Equívocos que irritam o Pai Natal. “Já não bastava o episódio de Fátima, irra!..”.
Lisboa, 23 Dezembro 2006
Francisco Além-Tejo
1 Comments:
o conto que eu, supostamente, nao podia ler xD Pobre pai-natal, seduzido pelas "meninas"
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